Atualizado: 12 de jul. de 2022
Debora Cristina de Castro da Rocha[1]
Claudinei Gomes Daniel [2]
Edilson Santos da Rocha[3]
Recentemente fora publicado no Diário Oficial da União, o Decreto n.º 10.692/2021[4], que torna oficial a criação do Cadastro Nacional de Municípios para as áreas de vulnerabilidade e suscetíveis à ocorrência de desastres, que são decorrentes de deslizamentos de terras causados por excesso de chuva, como também catástrofes envolvendo alagamentos e erosões, que por sua vez, desencadeiam grandes prejuízos econômicos, sociais, materiais e ambientais para os municípios.
O objetivo do Decreto consiste em fazer com que a União e os Estados, consequentemente, através de suas competências, apoiem os Municípios na realização do cadastramento das áreas afetadas, bem como no seu mapeamento para a elaboração e implementação de planos de obras visando a redução desses desastres e preservação das vias no município.
Segundo os dados do Censo[5], no Brasil, 84,72% da população vive nas cidades. Todavia, mesmo diante da concentração populacional em terras urbanas, ao logo dos anos, pouco se preocupou o Poder Público com a regularização ou adequação do solo e com as adequações habitacionais em locais de irregularidades.
A cidade deve ser o espaço onde as pessoas se realizam em suas necessidades básicas e um local de promoção de cidadania, que em nada mais consiste, do que em direito humano e, portanto, fundamental[6]. Daí porque as ocupações em áreas de risco, sujeitas às enchentes, inundações e deslizamentos ganham visibilidade com o Decreto.
O dano e risco decorrentes das características de tais áreas não só afeta a qualidade de vida dessas pessoas, mas também o direito à moradia adequada. Nesse sentido, há que se considerar as garantias estampadas nos princípios fundamentais cristalizados na Constituição Federal de 1988[7], garantindo-se a dignidade da pessoa humana, moradia e a qualidade de vida.
Com a edição da Lei Federal n.º 13.465/2017[8], que regulamenta a regularização fundiária urbana (REURB) nos núcleos de assentamentos irregulares, possibilitando-se à lei a adoção de medidas urbanísticas, ambientais e sociais, pode-se dizer que o excesso de normas e o conflitos de competências entre os entes federativos, e uma possível ausência de política pública específica, desencadeiam certos conflitos de causas diversas, tudo isso em virtude da ineficiência no controle de uso do solo, mesmo porque, o crescimento populacional desenfreado e a possível ausência de planejamento urbano, torna a realidade fundiária bem diversa, situação essa que decorre, principalmente, da crise econômica e da conjuntura imobiliária atual do país.
Mas como tal, a lei que instituiu a REURB, tornou a regularização fundiária realidade para vários moradores em diversos municípios brasileiros, no entanto, se tornava imprescindível a preocupação com a regularização em áreas de vulnerabilidade e degradadas, e igualmente, que houvesse o apoio governamental, propiciado através do advento do Decreto n.º 10.692/2021, mediante o que dispõe o art. 6º.
Art. 6º A União e os Estados, no âmbito de suas competências, apoiarão os Municípios na execução das ações previstas no art. 5º, de acordo com a sua disponibilidade orçamentária e financeira.
Certo pois, que ao realizar a regularização fundiária, deverá o Município conceder ao cidadão, o direito à moradia digna e o uso do solo urbano, que consequentemente traz uma série de benefícios, um deles, inclusive, consiste na arrecadação de tributos de endereços formais, que traz ínsita em seu bojo a segurança aos moradores.
Todavia, no que diz respeito aos loteamentos irregulares e clandestinos, um ponto crucial consiste naquele em que o empreendedor ou incorporador siga as regras previstas nas leis federais, estaduais e as determinações dos municípios, de acordo com o projeto da área aprovado.
Desta forma, devem ser incluídos no projeto de regularização, os estudos técnicos que comprovem as melhorias das condições ambientais, os sistemas de saneamento básico, as prevenções de geotécnicos e de inundações previstos no novo Decreto n.º 10.692/2021 em seu art. 5º, VI, bem como a recuperação das áreas degradadas, a sustentabilidade urbana-ambiental com garantia de acesso público das vias urbanas, senão vejamos
VI – elaborar carta geotécnica de aptidão à urbanização e estabelecer diretrizes urbanísticas com vistas à segurança dos novos parcelamentos do solo e ao aproveitamento de agregados para a construção civil; e
No entanto, para a concretização da regularização fundiária, muitas vezes se mostra necessária a intervenção do Poder Judiciário, seja em razão do ajuizamento de ações de usucapião ou outras demandas que versem sobre posse ou direitos reais sobre bens imóveis, seja em razão da utilização da normativa em comento, que diminui significativamente as exigências documentais para a aceitação do registro do parcelamento do solo, valorizando, em especial, os documentos emitidos pela municipalidade[9]. Também poderá surgir a necessidade de se suscitar dúvida em procedimentos no registro imobiliário.
Destarte, constitui-se como dever, a análise da densidade das áreas ocupadas, no que se incluem os tamanhos de lotes, bem como as características das edificações e condições de habitabilidade tais como, a insolação, a ventilação, a circulação e a acessibilidade.
Da mesma forma, cabe ainda verificar a necessidade ou não de reassentamentos nas áreas. Conjuntamente, se faz necessária a análise da área integrada em seus aspectos ambientais, os impactos ambientais negativos originados por este tipo de ocupação irregular, com o objetivo de vislumbrar ações visando a compensação e a recuperação ambiental.
Outrossim, há de se ter uma visão urbana-ambiental da realidade de cada área ocupada irregularmente. Entretanto, há que se propor a adoção de parâmetros urbanísticos específicos e diferenciados, permitindo-se a inclusão social, assim como definir a área passível de regularização e o necessário para a realização do reassentamento, buscando-se áreas ambientalmente adequadas para implementação de infraestrutura e construção de novas habitações municipais.
Por conseguinte, há que se considerar que, no que concerne às garantias fundamentais, a Constituição Federal demonstra a integração socioespacial das comunidades urbanas desprotegidas tanto no plano jurídico, como no plano social através dos direitos fundamentais.
Tais garantias compreendem os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades e suas condições dignas de vida, de exercício pleno da cidadania, de ampliação dos direitos fundamentais (individuais, econômicos, sociais, políticos e ambientais). Os direitos fundamentais sociais (especialmente saúde, alimentação, água potável e moradia) e o direito fundamental ao meio ambiente, conjugando seus conteúdos normativos para a realização de uma vida humana digna e saudável”.[10]
Por derradeiro, imperiosa a adoção de providências em caráter de urgência, o que de per se, exige o entendimento de que soluções ótimas e ideais nem sempre são possíveis, o que demanda de plano, a busca por soluções possíveis e aceitáveis do ponto de vista técnico, jurídico, social e ambiental[11]. Logo, certo que se trata de tarefa pragmática que requer o máximo de mitigação e compensação de danos ambientais, admitindo-se a remoção da população apenas em casos de risco não mitigável e com alternativas de relocalização aceitáveis, tendo-se em vista o direito às cidades sustentáveis como bússola orientadora da interpretação dos casos concretos.[12]
Observa-se, portanto, que em decorrência da ausência de diálogo acerca dos problemas sociais locais, as cidades cresceram e se desenvolveram de forma rápida e desordenada, gerando a segregação socioespacial, cujas invasões de áreas públicas e privadas eram as únicas alternativas de moradia para famílias de baixa renda. Com a conivência do poder público, áreas com fragilidades ambientais foram sendo ocupadas e ações antrópicas originaram um expressivo passivo ambiental.
Assim, verifica-se que as legislações ambientais e urbanas, tanto pelo novo Decreto quanto pelas Leis Federais, têm por mote a regularização de áreas em situação de risco mediante a adoção de medidas mitigadoras e sustentáveis, que possibilitam a regularização fundiária estruturada nas visões urbana e ambiental, umbilicalmente norteadas pela legislação brasileira, a fim de que seja possível a construção de uma metodologia adequada para aprovação de projetos fundiários.
[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites YesMarilia e do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa apresentado no canal 5 da NET – CWB TV. [2]Acadêmico de Direito pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná – FAESP (Centro Universitário UNIFAESP). Colaborador no escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia e Secretário de Presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná – SINAP. Produtor do Programa SINAP NO AR, que vai ao ar no Canal 5 da Net da CWB TV e transmitido na Rádio Blitz.net. Produtor do Programa SINAP NA TV, que vai ao ar no Canal 525 da Net da Rede Central TV Brasil. E-mail: claudinei@dcradvocacia.com.br [3] Assistente Jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Acadêmico de Direito pela Faculdades da Industria – FIEP. e-mail: edilson@dcradvocacia.com.br [4] Brasil. Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Decreto/D10692.htm > Acesso: 27 de mai. 2021. [5] Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em < https://www.ibge.gov.br/ > Acesso em: 27 de mai. de 2021. [6]JUNIOR, Nelson Saule. Direito Urbanístico, Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Ed. Antônio Fabris, 2007, p. 30. [7] Brasil. Constituição Federal de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em: 27 mai. 2021. [8] Brasil. Regularização Fundiária Urbana. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm > Acesso em: 25 mai. 2021. [9] Brasil. Ministério Público do Paraná – Urbanismo. Disponível em < https://mppr.mp.br/ > Acesso em: 28 de mai. de 2021. [10] SARLET, Ingo Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. A tutela do ambiente e o papel do poder judiciário à luz da Constituição Federal de 1988. Porto Alegre. Revista da Faculdade de Direito da FMP. N°5-2010, p. 89. [11] Brasil. Revista Estudos de Planejamento, Ed. n. 14, 2019. Disponível em < https://revistas.dee.spgg.rs.gov.br/ > Acesso: 28 mai. de 2021. [12] ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Apresentação (p. 13 a 27). Coletânea de Legislação Urbanística – Normas Internacionais, Constitucionais e Legislação Ordinária, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 23.