O que fazer quando a incorporadora atrasa a entrega do imóvel? Parte 2

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Atualizado: 12 de jul. de 2022

No primeiro artigo, falei dos primeiros passos do que fazer quando a incorporadora atrasa a entrega do imóvel comprado na planta.

É importante relembrar dos dois primeiros tópicos: Construa uma linha dos fatos e recolha todas as provas possíveis e leia o seu contrato. Esteja atento, em especial, às cláusulas que tratam do pagamento e da entrega do imóvel.

Se tem um problema que enfrento constantemente, este está diretamente relacionado as questões financeiras que envolvem o atraso na entrega.

Muitas famílias economizam por meses, e até mesmo anos, para poder finalmente comprar o imóvel dos sonhos.

Há a expectativa de finalmente se mudar para um novo lugar, mais espaçoso, confortável e adequado às necessidades do comprador.

Mas sempre há o receio de ocorrer algum atraso na entrega do imóvel – e não é incomum que a entrega ocorra fora do prazo previsto no contrato.

E quando recebem a notícia de que o imóvel não será entregue na data correta, surgem as frustrações.

Nada anormal, até porque os compradores continuam sendo obrigados a pagar as parcelas mensais do contrato, seja com recursos próprios, seja através de financiamento.

Mas a situação não para aí.

Como a entrega está atrasada, é provável que o comprador pague parcelas contratuais por tempo maior do que o determinado no contrato.

Os compradores planejam seus pagamentos e economizam os valores de acordo com o prazo de entrega do imóvel.

Se o imóvel está atrasado, há o risco do comprador não conseguir arcar com as parcelas.

Por consequência, poderá ser inscrito no SPC/SERASA, e ainda dar à incorporadora a possibilidade de encerrar o contrato por falta de pagamentos.

Veja que nada disso é culpa do comprador, mas sempre existem chances de lidar com injustiças.

E mais:

Em muitos casos, os compradores ainda são obrigados a pagar IPTU, taxas de condomínio e juros de obra mesmo sem terem a posse do imóvel.

Ou seja, os prejuízos são ainda maiores.

Tudo isso acaba gerando aquele sentimento de dúvida quanto ao que deve ser feito, isso porque não faz sentido manter ou continuar pagando parcelas e taxas de um imóvel que sequer foi entregue na data correta.

Soma-se a isso todas as outras frustrações que podem ocorrer durante a obra. Dependendo da sua situação, poderá ensejar, inclusive, a possibilidade de pedir uma indenização a ser paga pela incorporadora.

Neste artigo, vou esclarecer quais são os seus direitos, quanto às questões financeiras, no caso de atraso na entrega do imóvel.

1. Cobranças de IPTU e condomínio

Como dito, é comum que as incorporadoras exijam o pagamento de IPTU e taxas de condomínio antes de entregarem o imóvel.

A lei não é clara quanto ao momento no qual o comprador é responsável pelos pagamentos. Coube aos tribunais, portanto, definir a questão.

O Superior Tribunal de Justiça já definiu a matéria, e seu entendimento é seguido pelos demais tribunais do Brasil:

“As despesas de condomínio e IPTU são de responsabilidade da construtora até a entrega do imóvel ao adquirente. Isso porque, apesar de o IPTU ter como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel ( CTN, art. 32), se os recorridos não deram causa para o não recebimento do imóvel, não podem ser obrigados a pagar despesas condominiais nem o citado imposto referente ao imóvel. ”

Fica claro que: se a incorporadora for a responsável pelo atraso na entrega do imóvel, não poderá cobrar do comprador IPTU e condomínio.

Apenas para explicar o conceito de posse, o comprador se torna possuidor quando exerce algum dos direitos de propriedade:

– O direito de usar o imóvel como bem entender;

– O direito de aproveitar o imóvel;

– O direito de obter frutos do imóvel, como aluguéis, por exemplo;

– O direito de vender o imóvel, se desejar.

Assim, diante de entrega no atraso do imóvel, e tendo em vista que os direitos de propriedade são de fato adquiridos no momento da entrega do imóvel, o comprador pode pedir a suspensão das cobranças de IPTU e condomínio, mesmo porque as referidas obrigações somente podem ser imputadas ao adquirente do imóvel quando ele de fato estiver em contato com a coisa e usufruindo efetivamente do imóvel, posicionamento este, inclusive do Superior Tribunal de Justiça.

2. Suspensão dos pagamentos das parcelas do imóvel

O prazo de entrega do imóvel deve estar claramente expresso no contrato. Do mesmo modo, o prazo de carência normalmente é de até 180 dias corridos após a data prevista.

Mas, seja qual for o prazo, se a incorporadora atrasar a entrega, e o comprador optar por manter o contrato, segundo a lei, os pagamentos podem ser suspensos.

Os contratos de promessa de compra e venda são chamados de bilaterais, uma vez que estabelecem obrigações para o comprador e para o vendedor.

É claro que o principal dever do comprador é pagar as parcelas do imóvel, enquanto o do vendedor é entregar o imóvel na data fixada.

Quando uma das partes do contrato deixa de cumprir com sua obrigação, não pode exigir que o outro cumpra a que lhe incumbe.

Ou seja, se o vendedor atrasar a entrega do imóvel, não poderá exigir que o comprador continue pagando as parcelas.

Isso se chama de exceção do contrato não cumprido.

Mas antes de se pensar em deixar de pagar as parcelas, o comprador de imóvel na planta deve tomar alguns cuidados:

– Não poderá deixar de pagar as parcelas imediatamente, porque você pode correr o risco de ter seu nome negativado;

– Se o atraso ocorrer por alguma circunstância alheia à vontade da incorporadora, como uma pandemia, também não há como deixar de pagar as parcelas, porque a incorporadora não foi a responsável pelo atraso;

– Não poderá deixar de pagar as parcelas se o atraso estiver previsto no prazo de carência.

Em regra, os juízes decidem no sentido de determinar a suspensão dos pagamentos.

Em resumo, tome os cuidados acima e fundamente o seu pedido de suspensão dos pagamentos na exceção do contrato não cumprido.

3. Juros de obra

Os juros de obra são aqueles pagos mensalmente pelo consumidor durante a fase de construção do imóvel, desde a aprovação de seu financiamento até o término da obra.

Dependendo do previsto em contrato, pode ser cobrado até o momento da entrega do imóvel.

No caso de obra paga mediante financiamento, após a contratação, o banco libera o valor à incorporadora, e sobre o valor liberado incidem os chamados juros de obra.

As parcelas pagas para a instituição financeira num primeiro momento, consistem nos juros de obra.

Apenas após a expedição do “habite-se”, da averbação da construção e do registro do financiamento na matrícula do imóvel que o comprador iniciará o pagamento das parcelas reais do financiamento.

E, assim, o saldo devedor começa a ser amortizado.

Porém, nos casos de atraso injustificado na entrega do imóvel, a incorporadora é a responsável por pagar os juros de obra, de modo que o comprador não poderá mais arcar com o referido pagamento.

Este é o entendimento já fixado pelo Superior Tribunal de Justiça:

“É ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.”

E se por acaso o comprador já tiver pago os juros de obra, poderá pedir a restituição dos valores, além de ter o direito de pedir a suspensão das cobranças de juros de obra.

4. Indenização por danos materiais

Ora, quando ocorre atraso na entrega do imóvel, é claro que o comprador está sofrendo um dano. Por isso, terá de ser indenizado.

Como atrasos ocorrem na maioria dos casos de entrega de imóvel na planta, o Superior Tribunal de Justiça já fixou tese no sentido de que o comprador do imóvel deve ser indenizado em lucros cessantes (aquilo que deixou de se ganhar em razão do dano causado pela incorporadora).

No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

Ou seja, o comprador pode ser indenizado na forma de aluguéis mensais, calculados segundo a média de mercado de imóveis semelhantes construídos na mesma região do imóvel cuja entrega está atrasada.

Para fazer uma média do aluguel, o comprador pode entrar em sites onde imóveis são vendidos ou locados, como OLX, ZAP Imóveis, Chaves na mão, Imóvel Web, Viva Real, etc., e fazer uma busca de imóveis semelhantes que estão sendo locados na mesma região.

Você pode basear a sua busca considerando a área do imóvel e a faixa de preço das locações.

Depois de encontrar o preço mensal da locação, some todos os meses de atraso na entrega.

E mais, o comprador ainda pode receber indenização de 1% de todo o valor pago à incorporadora, para cada mês de atraso na entrega do imóvel. Tal valor será atualizado conforme o índice de correção previsto no contrato.

5. Indenização por dano moral

Apesar de tudo o que foi escrito, nada parece pior do que todos os maus sentimentos sofridos durante o período de atraso na entrega do imóvel.

A princípio, parece óbvio que o comprador pode ser indenizado por dano moral.

Nem sempre isso é verdade.

Segundo as decisões do STJ, os danos morais, aqueles referentes à personalidade do comprador, só podem ser indenizados nos casos de situações excepcionais.

O leitor pode se perguntar: O que são situações excepcionais. A expressão realmente não é clara.

Tudo vai depender do contexto da sua situação. Por isso, faço a remissão para o que foi dito no início do artigo: colha todas as provas possíveis e identifique todos os fatos.

O atraso, em si, não será motivo suficiente para a condenação em indenização por danos morais.

Porém, caso existam outras situações, capazes de provocar desconfortos e danos, o comprador pode pedir uma indenização por danos morais.

Para servir de exemplo, recentemente, no escritório, lidamos com um caso onde não houve apenas o atraso na entrega, mas também defeitos estruturais no imóvel, abandono do condomínio por parte da incorporadora, infestação de insetos e atendimento negligente.

Por isso, além da entrega, fatos realmente incômodos devem ser acrescentados ao seu pedido de indenização. E ressalto ao leitor a necessidade de prová-los.

6. E se eu quiser optar por rescindir o contrato?

Segundo o entendimento do STJ:

“Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”

Em vez de pedir a suspensão dos pagamentos e das demais cobranças, o comprador pode optar por rescindir o contrato e retomar todos os valores.

É claro que, para pedir a rescisão do contrato, o comprador não poderá ser responsável por dar causa ao atraso, sob pena de não receber todos os valores pagos.

Não sendo responsável pelo atraso, todos os valores devem ser restituídos. Soma-se a eles o valor da multa por inadimplemento prevista no contrato.

Mas se o comprador for responsável pelo atraso, mesmo que não totalmente, não terá direito a receber todos os valores.

A quantidade do valor devolvido depende do grau de culpa do comprador. Em regra, nos casos de atraso por culpa do comprador, o posicionamento mais recente do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a retenção dos valores pagos não pode ultrapassar o percentual de 25% de todo o valor pago.

6. Conclusão

Espero ter explicado claramente quais são os seus direitos.

Além de seguir o conselho que dei anteriormente, de montar um relato dos fatos e juntar todas as provas, colha todas as teses judiciais aplicáveis aos seus direitos.

Um abraço,

Debora de Castro da Rocha

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