CONSTRUÇÃO CIVIL E A PROBLEMÁTICA REFERENTE À SERVIDÃO ADMINISTRATIVA, CONSTITUÍDA NO IMÓVEL

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Debora de Castro da Rocha[1]

Edilson Santos da Rocha[2]

O início de construção deve seguir rigorosamente um planejamento e organização adequados, de forma a otimizar os custos. Todavia, além disso, certos cuidados legais devem ser levados em consideração, antes mesmo do início do projeto da obra, afinal, cada etapa requer cuidados específicos, dentre os quais, a aprovação do projeto pelos órgãos competentes (Prefeitura, Órgãos Ambientais, CREA, etc.), assim como e principalmente, uma análise minuciosa da matrícula do imóvel em busca de limitações construtivas legais ao imóvel, na qual poderá constar, por exemplo, uma servidão administrativa, dentre outras possíveis restrições legais ao direito de construir.

Dos cuidados mencionados, decorre a importância do conhecimento acerca do conceito de servidão administrativa e seus princípios, visando a devida constatação de sua existência, fazendo-se pois, necessária, a compreensão jurídica acerca dos requisitos para a constituição da servidão administrativa e suas consequências para a execução do empreendimento, para que uma vez verificada a existência do registro da servidão administrativa, possam ser identificados os cuidados técnicos a serem assumidos pelo construtor na execução da obra, para que assim, sejam evitados transtornos futuros, seja para a execução da obra, ou mesmo, para os destinatários do empreendimento.

Assim, o construtor deve assumir o papel diligente de se adequar às condições do imóvel no qual empreenderá, diligenciando adequadamente quanto a eventuais limitações administrativas impostas, como meio de precaução a eventuais percalços legais, seja na construção, ou mesmo, no pós vendas, hipótese em que até mesmo os adquirentes das unidades imobiliárias poderão ser surpreendidos por irregularidades até então desconhecidas, gerando uma enormidade de prejuízos consistentes inclusive, na demolição da construção, que poderiam ser evitados se tomadas as devidas cautelas.

Para tanto, há de se considerar inicialmente, a necessidade de se compreender o instituto da servidão administrativa, que segundo Di Pietro (2008)[3] pode ser conceituada como “o direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em face de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública”.

Trata-se, portanto, de um direito real por parte da administração pública, de gozo ou fruição sobre imóvel alheio, de caráter acessório, perpétuo, indivisível e inalienável. Diniz (2004)[4] observa que se é um direito real sobre coisa alheia, seu titular está munido de ação real e de direito de sequela, podendo, ainda, exercer seu direito erga omnes, desde que a servidão esteja assentada, de modo regular, no Registro Imobiliário.

Registre-se que as servidões administrativas admitem também uma separação entre indenizáveis e não indenizáveis. Ou seja, algumas são instituídas a título gratuito e outras a título oneroso. Todavia, essa distinção decorre não da essência ou da natureza de determinados tipos de servidão, mas, sim, das circunstâncias inerentes a cada caso concreto.

Daí constata-se a instrumentalização pelo Estado da coisa privada em favor do interesse público, através da qual o Estado passa, mediante a constituição da servidão administrativa, a intervir no domínio privado, ao impor restrições ao direito de propriedade em busca da satisfação do interesse comum.

Em termos legais, a servidão administrativa, ante a inexistência de uma lei específica, possui previsão no Art. 40 do Decreto Lei nº 3365/41[5], que regulamenta a desapropriação, o qual aduz que “O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei”, ou seja, a instituição da servidão segue o mesmo regramento da desapropriação.

Não obstante, a servidão é igualmente regulamentada pela Lei nº 8.987/95[6] que em seu art. 29, VIII[7] e 31, VI[8], dispõe que a instituição de servidão em imóveis privados depende, via de regra, das circunstâncias, ou de desapropriação da faixa correspondente, ou da instituição de servidão. Em qualquer caso, sempre haverá a necessidade de indenizar o particular proprietário da área afetada, em razão dos danos que lhe forem acarretados pelo sacrifício parcial de seu direito de propriedade.

Segundo Di Pietro[9], as servidões administrativas podem ser constituídas de três maneiras diferentes:

“a) diretamente pela lei, por exemplo, a servidão sobre as margens de rios navegáveis e a servidão ao redor dos aeroportos;

b) por acordo entre as partes; ou

c) por decisão judicial, quando não houver acordo entre o Poder Público e o particular.”

Decorrentes diretamente de Lei, no Brasil temos as seguintes espécies de servidões administrativas a serem consideradas: (i) Servidão sobre terrenos marginais – Código de Águas (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934); (ii) Servidão a favor das fontes de água mineral, termal ou gasosa e dos recursos hídricos – Código de Águas Minerais (Decreto-lei nº 7.841 de 8 de agosto de 1945); (iii) Servidão sobre prédios vizinhos de obras ou imóvel pertencente ao patrimônio histórico e artístico nacional – Art. 18 do Decreto-Lei nº 25/37; (iv) Servidão em torno de aeródromos e heliportos – Arts. 56 a 58 do Código Brasileiro do Ar, aprovado pelo Decreto-lei nº 32/66, com a redação dada pela Lei nº 6.298/75. (v) Servidão militar – Decreto-Lei nº 3.437/41; (vi) Servidão de aqueduto – art. 1.293 do Código Civil de 2002; (vii) Servidão de energia elétrica – Decreto nº 35.851/54, além dessas servidões, outras podem ser instituídas por acordo ou sentença judicial, com base no art. 40 do Decreto-Lei nº 3.365/41 ou em leis esparsas.

Da lista acima, advém a importância em se proceder um estudo acerca de eventual servidão constituída no imóvel, em decorrência de suas características geográficas e legais, todavia, a espécie mais comum se refere à transmissão de energia elétrica, em razão de nosso sistema energético centralizado no sistema hídrico, que concentra a produção em grandes usinas hidrelétricas através das quais se realiza a distribuição mediante linhas de transmissão de alta capacidade.

Portanto, há de ser observado quando da instituição da servidão administrativa, possível relação com as limitações que recaem sobre o direito de gozo dos proprietários das áreas atingidas. Neste sentido, determina o art. 3º do Decreto 35.851/54:

Art. 3º Os proprietários das áreas atingidas pelo ônus limitarão o uso do gozo das mesmas ao que for compatível com a existência a servidão, abstendo-se, em consequência, de praticar, dentro delas, quaisquer atos que a embaçarem ou lhe causem dano, incluídos entre os de erguerem construções ou fazerem plantações de elevado porte.

Sendo assim, não há o que se falar em embaraço da servidão quando constatado que a edificação dentro da área da mesma suporta a construção de pequeno porte, a exemplo, tem-se o julgado do TJMG sobre o assunto, conforme abaixo:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE – SERVIDÃO ADMINISTRATIVA – FAIXA DE SEGURANÇA – CONSTRUÇÃO DE PEQUENO PORTE – ART. 3º DO DECRETO N.º 35.851/1954 – ADMISSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PROVA DO EMBARAÇO CAUSADO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – MANUTENÇÃO.

(TJ-MG – AC: 10024143058345003 MG, Relator: Edgard Penna Amorim, Data de Julgamento: 20/09/2019, Data de Publicação: 01/10/2019)

Porém, nos casos em que a ocupação ou construção extrapole as restrições geradas pela servidão, poderá ser autorizado em sede judicial, a desocupação, ou a demolição na área onde está instituída a servidão.

Todavia, devem ser questionados em eventual caso, os requisitos para constituição da servidão administrativa, sendo pois, o primeiro requisito, a declaração de utilidade pública, que se trata de ato administrativo que deverá ser emanado do poder executivo, conforme Art. 6º do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriação e instituição de servidão administrativa por utilidade pública.

Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que

“São efeitos da declaração de utilidade pública: a) submeter o bem à força expropriatória do Estado; b) fixar o estado do bem, isto é, de suas condições, melhoramentos, benfeitorias existentes; c) conferir ao Poder Público o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e medições, desde que as autoridades administrativas atuem com moderação e sem excesso de poder; d) dar início ao prazo de caducidade da declaração. Como a simples declaração de utilidade pública não tem o condão de transferir a propriedade do futuro expropriado ao Estado, o proprietário do bem pode usar, gozar e dispor dele.”[10]

Uma vez verificada a utilidade pública, todos os entes autorizados pelo Decreto Lei nº 3.365/41 para promover a desapropriação terão competência para instituir a servidão administrativa. Nas hipóteses de declaração de utilidade, seguida de acordo ou sentença judicial, o procedimento é semelhante ao da desapropriação e encontra fundamento no artigo 40 do Decreto-Lei n° 3.365/41.

Portanto, se declarada a utilidade pública do imóvel, o ente público obrigatoriamente deverá prosseguir com a desapropriação do imóvel mediante indenização, conforme nos traz Hely Lopes Meirelles, quando aduz que a servidão administrativa ou pública se caracteriza como ônus real de uso imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário[11].

Todavia, importante verificar que após o decreto de utilidade pública, deverá ser procedida a devida expropriação do bem em face do particular, conforme dita a normativa legal que trata de desapropriação a partir do Decreto 3.365/1941, na qual há determinação para que, após a expedição do decreto declarando determinada área de utilidade pública, a desapropriação ocorra no prazo de cinco anos, sob pena de caducidade do decreto declaratório[12].

A constituição da servidão administrativa tem natureza jurídica de direito real sobre coisa alheia, e seu acesso à matrícula deve, obrigatoriamente, ser feito por ato de registro em sentido estrito, na forma do art. 167, inciso I, nº 6, da Lei nº 6.015/73[13]. Entretanto, há entendimento do STJ – Súmula 415 que assim dispõe “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”, ou seja, diante do caso concreto será definida a necessidade ou não do devido registro junto à matrícula do imóvel, para o fim de ser considerada constituída a servidão, e portanto, apta a geração do efeito erga omnes.

Portanto, não se pode olvidar, que as intervenções decorrentes das servidões devem nortear-se pelo interesse maior da coletividade, bem como pela estrita observância dos meios e procedimentos autorizados na Constituição Federal e pelas leis reguladoras, sob pena de incorrer o Estado, em conduta flagrantemente ilegítima aos direitos individuais dos cidadãos, devendo o construtor se atentar a tais critérios legais, diligenciando para constatar a existência ou não de servidão constituída em seu imóvel, e daí observar os critérios técnicos construtivos estipulados na norma.

[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora do Grupo Kroton na Pós-Graduação de Direito Imobiliário Aplicado; Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites YesMarilia e do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa apresentado no canal 5 da NET – CWB TV. [2] Controller Jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Acadêmico de Direito pela Faculdades da Industria – FIEP. e-mail: edilson.dcr.adv@gmail.com. [3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. São Paulo: Atlas. 18. ed., 2008 [4] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 4: Direito das coisas. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. [5] Brasil. Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm > Acesso em: 08 out. 2020. [6] Brasil. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm > Acesso em: 08 out. 2020. [7] Art. 29. Incumbe ao poder concedente: (…) VIII – declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; [8] Art. 31. Incumbe à concessionária: (…) VI – promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato; [9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª Edição. São Paulo, SP. Atlas. 2013. [10] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 772. [11] Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 31ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo, José Emmanuel Burle Filho. São Paulo, Malheiros, 2005 [12] Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. [13] Brasil. Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. (Renumerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975). I – o registro: (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975). (…) 6) das servidões em geral;

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