Atualizado: 12 de jul. de 2022
Debora Cristina de Castro da Rocha[1]
Claudinei Gomes Daniel [2]
Edilson Santos da Rocha[3]
Desde o advento da modalidade contratual “Built to Suit”, muitas discussões foram travadas, tornando de suma importância a reflexão acerca das nuances da referida relação contratual, evidenciando-se, dentre outras, as causas que a fundamentam, o interesse jurídico-econômico que dela decorre, as obrigações e as diferenças que a espécie apresenta em face do instituto da locação.
“Built to Suit”, significa em tradução literal, “construído para servir”, sendo, pois, um termo da língua inglesa, utilizado no âmbito imobiliário, com o objetivo de identificar a categoria dos contratos de locação a longo prazo, com o fim de atender os interesses do locatário. Trata-se de contrato de cunho obrigacional que dentre outras questões diversas, dispõe sobre a locação do imóvel a ser construído sob medida, conforme as necessidades apresentadas pelo locatário, por um investidor, por um construtor ou até mesmo pelo próprio proprietário do imóvel que venha a desenvolver parceria com empresas terceirizadas do setor imobiliário.
O contrato “Built to Suit” fora introduzido na economia brasileira a partir da evolução histórica vivenciada pelo mercado imobiliário nacional nos últimos 20 anos. O contrato em apreço encontrou campo fértil para se desenvolver em um contexto de ampla reestruturação pelo qual passou, e ainda tem passado, o mercado imobiliário brasileiro. O desenvolvimento de novos institutos jurídicos, especialmente no que diz respeito às sólidas garantias contratuais, vem permitindo o aperfeiçoamento dos meios de financiamento das operações imobiliárias, oportunizando a circulação de riquezas nas cadeias de fornecimento e consumo, consequentemente, conferindo robustez a esse setor da economia[4]. Nesse sentido, cumpre trazer a precisa conceituação atribuída à referida modalidade contratual pela doutrina:
“Um modelo de negócio jurídico no qual a parte interessada em ocupar um imóvel para o desenvolvimento de uma atividade (contratante) contrata com um empreendedor: (i) a construção, pelo próprio empreendedor ou por terceiros, de um empreendimento (edificação) em um determinado terreno (imóvel) e/ou a sua reforma substancial, de forma a atender as especificações e os interesses da contratante; e; após o término da construção ou reforma substancial, (ii) a cessão do uso e fruição (locação) do terreno com o empreendimento, por um valor que permita ao empreendedor remunerar a quantia investida na execução da obra, bem como o período de uso e fruição do imóvel, de modo a lhe proporcionar certa margem de lucro”.[5]
Assim, tem-se que nesse ambiente de inter-relacionamento entre (produtor-consumidor-investidor), devidamente estruturado nas garantias legais, o mercado consolidou a operação “Built to Suit”, concedendo o permissivo para que empresas atuantes em setores diversos do imobiliário conduzissem seus esforços às suas atividades preponderantes, ao passo que aos empreendedores imobiliários, competia a realização dos empreendimentos que àquelas serviriam[6].
A Lei 12.744/12[7] positivou a modalidade contratual “Built to Suit” no contexto do direito contratual brasileiro, como meio de dinamização do mercado imobiliário, efetuando algumas modificações na Lei 8.245/91[8]. Dentre as quais, fora procedida a alteração do art. 4º desta, dispondo:
“Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2º do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.”
Ademais, inclui o artigo 54-A que aduz:
“Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.”
Os empreendimentos imobiliários denominados “Built to Suit” podem ser traduzidos como construção sob medida, consistindo em um negócio jurídico análogo ao contrato de locação, no qual um contratante se compromete a construir um imóvel para atender às necessidades do outro e este, por sua vez, se obriga a locar o bem por prazo determinado, por valor mensal que deverá corresponder não apenas à contraprestação pelo uso e gozo do imóvel, mas também como remuneração aos custos de aquisição do terreno e da construção do imóvel pelo locatário, assim como o capital investido.
Os direitos e deveres inerentes ao ato de construir e a cessão de uso do imóvel e, nessa ordem, a obrigação de remunerar-se a construção e o uso do bem são elementos indispensáveis da modalidade contratual “Built to Suit” e, por conseguinte, a ela indissociáveis, o que pode desqualificá-lo como mera locação.[9]
Muito embora o aluguel do imóvel seja considerado em uma de suas cláusulas, o contrato denominado como “Built to Suit” contem em seu bojo uma relação contratual de elevada complexidade, em total dissonância com a mera locação de imóvel, pois compreende uma série de outras obrigações, dentre as quais, a busca de espaço adequado, a celebração de contrato com os construtores, a elaboração de projeto, entre outros, devendo, pois, ser verificado sob a ótica da atipicidade, não se lhe aplicando as disposições da Lei do Inquilinato. O contrato “Built to Suit” comporta inúmeras prestações, das quais decorrem direitos, obrigações e responsabilidades diversas:
O contratado (empreendedor), de regra, terá as seguintes obrigações: a) adquirir imóvel, selecionado ou não pelo contratante (usuário); b) edificar construção nos termos das instruções fixadas pelo contratante (sob medida e por encomenda); c) conceder ao contratante, pelo prazo pactuado, o uso e gozo do imóvel construído. Por outro lado, este empreendedor-contratado fará jus à percepção de remuneração que o pague não só pela fruição da coisa, mas também pelo significativo investimento despendido (daí a natural tendência de que o contrato perdure por longo prazo). O contratante-usuário, a seu turno, terá o direito de possuir e fruir o bem por certo prazo, sempre em consonância com os fins ajustados. Noutra ponta, como dito, incumbir-lhe-á pagar a remuneração periódica fixada (o aluguel), de modo a amortizar o dispêndio suportado a seu favor pelo contratado-locador. Pode-se entabular ainda, como de praxe, que o usuário responda pelos encargos da coisa, como tributos, despesas de conservação etc. Ademais, algumas garantias contratuais podem ser exigidas de ambas as partes.[10]
Aspecto importante a ser considerado é que, durante a vigência do contrato, o usuário-locatário irá remunerar o empreendedor não somente pela locação do imóvel, mas também pela sua prestação de serviço, uma vez que o empreendedor fez construções no imóvel, objetivando atender necessidades específicas daquele locatário, portanto, neste contrato, o usuário remunera o empreendedor em valores de aluguéis superiores aos valores de mercado, estando as estruturas implementadas de acordo com o que o locatário desejou.[11]
Assim, há que se considerar as peculiaridades do contrato “Built to Suit”, cujas quais se distanciam em muito daquelas conferidas aos contratos de locação comercial tradicionalmente conhecidos
“Seguindo o raciocínio tipológico, o contrato built to suit desempenha uma operação econômica tão diversa da locação imobiliária que as suas características específicas se afastaram severamente do tipo contratual da locação, propiciando o surgimento de um outro contrato que, por não encontrar uma correspondência mínima com os modelos contratuais delineados pelo legislador, deve ser classificado como atípico. A Lei 12.744/2012, ao apartar o regime de direito material dos contratos de locação, naquilo que for incompatível, aos contratos built to suit, ressalta a autonomia desse modelo negocial de contratação sem tipifica-lo e, muito menos, sem torná-lo um subtipo do contrato de locação. Ao assim proceder, o legislador reconheceu que a função econômica- social do contrato built to suit é substancialmente diversa da função econômico-social da locação, exigindo um regime de direito material específico e apartado daquele genericamente encontrado na Lei 8.245/1991”[12].
Por esse viés, se revela inaplicável a renúncia ao direito de indenização por benfeitorias, pois, na hipótese de se eliminar o direito do locatário ao investimento realizado na construção do prédio, o negócio seria completamente inviável sob o ponto de vista econômico e, certamente, inviabilizaria a celebração do contrato. Esse, inclusive, tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná proferido na Apelação Cível nº 0016429-38.2017.8.16.0030, assim ementado:
“Apelações cíveis. Contrato built to suit. Interpretação. Resolução do contrato por culpa da locatária. Perda da totalidade do capital investido. Impossibilidade. Obrigação limitada às perdas e danos diante da ausência de cláusula penal. Art. 475 do Código Civil. Apelo provido em parte. Reconvenção em peça apartada. Possibilidade. Ônus da prova. Configuração. Apelo provido.
Por derradeiro, apreende-se do julgado em apreço, inequívoca aplicação da diferenciação material do modelo contratual ‘Built To Suit’ em relação ao contrato de locação ordinário, pois, apesar do inadimplemento da locatária, a perda da integralidade do capital investido almejado pelo locador, contraria a ausência de previsão de cláusula penal no contrato. Ou seja, a modalidade ‘Built To Suit’ por envolver aspectos econômicos complexos, deve ser tratada de forma especializada, conforme sua natureza, sendo, portanto, descabida qualquer tentativa pelas partes de fazer valer as regras da locação tradicional, prevalecendo, a priori, a autonomia da vontade de contratar e na ausência desta, as regras do Código Civil, ou mesmo, de outra legislação específica aplicável ao caso concreto.
[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice-presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites YesMarilia e do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa apresentado no canal 5 da NET – CWB TV. [2]Acadêmico de Direito pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná – FAESP (Centro Universitário UNIFAESP). Colaborador no escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia e Secretário de Presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná – SINAP. Produtor do Programa SINAP NO AR, que vai ao ar no Canal 5 da Net da CWB TV e transmitido na Rádio Blitz.net. Produtor do Programa SINAP NA TV, que vai ao ar no Canal 525 da Net da Rede Central TV Brasil. E-mail: claudinei@dcradvocacia.com.br [3] Assistente Jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Acadêmico de Direito pela Faculdades da Industria – FIEP. e-mail: edilson@dcradvocacia.com.br [4] FIGUEIREDO, Luiz Augusto Haddad. Revista de Direito Imobiliário 2012 • RDI 72. Disponível em: < https://www.irib.org.br/publicacoes/RDI72/pdf.pdf > Acesso em: 05 mai. 2021. [5] BENEMOND, Fernanda Hennenberg. Contratos built to suit. Coimbra: Almedina, 2013, p. 24. [6] FIGUEIREDO, Luiz Augusto Haddad. Revista de Direito Imobiliário 2012 • RDI 72. Disponível em: < https://www.irib.org.br/publicacoes/RDI72/pdf.pdf > Acesso em: 05 mai. 2021. [7] Brasil. Lei nº 12.744, de 19 de dezembro de 2012. Altera o art. 4º e acrescenta art. 54-A à Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que “dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes”, para dispor sobre a locação nos contratos de construção ajustada. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12744.htm > Acesso em: 05 mai. 2021. [8]Brasil. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm > Acesso em: 05 mai. 2021. [9] ARAUJO, Paula Miralles de. Contratos Built to Suit.: qualificação e regime jurídico. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/D.2.2015.tde-09122015-140803. Disponível em: < https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-09122015-140803/pt-br.php > Acesso em: 05 mai. 2021. [10] FIGUEIREDO, Luiz Augusto Haddad. Revista de Direito Imobiliário 2012 • RDI 72. Disponível em: < https://www.irib.org.br/publicacoes/RDI72/pdf.pdf > Acesso em: 05 mai. 2021. [11] GASPARETTTO, Rodrigo R. Contratos Built to Suit. São Paulo: Scortecci, 2014, p.59. [12] LEONARDO, Rodrigo Xavier. O contrato built to suit. In: Tratado de direito empresarial. v. 4. Modesto Carvalhosa (coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 430.