Em razão da COVID-19 (novo coronavírus) o presente artigo tem por escopo promover uma discussão acerca da construção civil e, especialmente, da sua inserção no rol de serviços essenciais nos atos normativos que tratam do enfrentamento da emergência de saúde pública, dada a sua importância para o país.
A crise sanitária decorrente da COVID-19 (novo coronavírus), está trazendo danos sem precedentes a diversos setores da economia em razão de medidas restritivas mais severas sobre a atividade econômica no Brasil, a exemplo do que vem ocorrendo no âmbito internacional. No Estado do Paraná, tais se deram mediante o decreto nº 4.317 de 21/03/2020[3], cujo qual dispõe sobre as medidas aplicáveis à iniciativa privada acerca do enfrentamento da emergência de saúde pública de importância decorrente da COVID-19.
Certo que, em razão da pandemia da COVID-19, quase que a totalidade dos setores econômicos estão sendo afetados pela necessidade de atendimento às determinações emanadas de atos normativos estaduais e municipais, bem como das recomendações da Organização Mundial de Saúde – OMS, entretanto, no presente artigo, o ponto alto da argumentação se voltará a manutenção das atividades da construção civil, que por justa decisão do poder público estadual paranaense, no decreto nº 4.317 de 21/03/2020, mais precisamente, no parágrafo único do inciso XXIV do art. 2º, entendeu-se pela sua manutenção, justamente, por ser concebida como atividade essencial.
Ainda que o Estado do Paraná tenha elevado a construção civil ao rol de serviços essenciais, e do fato inconteste de que a atividade possui tal caráter, o entendimento acerca da sua essencialidade não é unanime entre os Estados da federação e o governo federal, pois, a contrassenso do entendimento do poder público estadual paranaense, o governo federal em seu Decreto de nº 10.292, de 25 de março de 2020[4], não listou em seu bojo a construção civil como atividade essencial, mesmo após ter elastecido o rol no último dia 25 de março com a inserção de atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde e unidades lotérica.
Veja-se que, diante do atual cenário, que implica na necessidade de que a população cumpra com a determinação de isolamento social, a fim de evitar a propagação rápida do vírus, adoecimento e inevitáveis óbitos, implicando diretamente no fechamento do comércio e na suspensão de atividades não consideradas essenciais, se revela de extrema relevância ressaltar a importância da construção civil, e a dicotomia de entendimentos retratados nos Decretos Estaduais entre si e entre alguns Decretos Estaduais e o Decreto Federal de 10.292/2020, eis que nesse não se concebe a essencialidade da construção civil, denotando assim, a forte divergência sobre o caráter essencial do setor da construção civil, e na mesma linha de entendimento, o Estado de Santa Catarina, que em seu Decreto Emergencial de nº 525, de 23 de março de 2020[5], não considerou a construção civil como essencial.
Em que pese o disposto no Decreto 10.292/2020, e a imprescindibilidade de atendimento aos comandos nele constantes, não se pode olvidar da competência dos poderes públicos estaduais e municipais em definir quais são suas atividades essenciais mediante atos normativos emergenciais, a teor daquilo que ocorre com o Estado do Paraná, que se posicionou em seu Decreto concebendo a construção civil como atividade essencial.
A essencialidade da atividade da construção civil, advém, principalmente, do fato de que o Brasil de forma geral, é altamente dependente de obras como redes de esgoto e água, estradas, ferrovias, edifícios especializados, não se podendo deixar de fora, por obviedade, a construção de moradias, considerado o maior déficit da área.
Dentre o setor de moradias, de suma importância o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), o qual tem como principal objetivo a redução do déficit habitacional ao criar mecanismos de incentivo à produção e à aquisição de novas unidades habitacionais, à requalificação de imóveis urbanos e à produção ou à reforma de habitações rurais para famílias com renda mensal de até dez salários mínimos[6].
Por essa perspectiva, importante ressaltar que o déficit habitacional no Brasil cresceu 7% (sete por cento) em 10 (dez) anos, chegando a quase 7,78 milhões de unidades em 2017. O levantamento realizado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta, ainda, que, apesar dos desafios, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), do governo federal, conseguiu reduzir os componentes do déficit e impedir seu crescimento em ritmo maior do que o verificado.[7]
O déficit habitacional se contrapõe à moradia digna, direito fundamental para todo e qualquer ser humano, de qualquer lugar, em qualquer época, garantia outrora reconhecida pelo principal Documento Internacional editado pelas Nações Ocidentais no segundo Pós-Guerra, marcando o início de uma nova fase da Ordem Internacional, sob o dístico da cooperação e da solidariedade[8]. A referência é à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que inclui o direito à moradia digna em seu artigo XXV, n. 01[9].
O déficit habitacional – qualitativo e quantitativo – e as dificuldades de acesso à moradia digna pelas famílias de baixa renda são problemas sérios que precisam ser enfrentados pelo Poder Público como um imperativo de Justiça Social. Afinal, a Constituição da República do Brasil enuncia como objetivos fundamentais do Estado brasileiro construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais[10].
Em seu viés econômico, além do importante papel na composição do produto interno bruto- PIB, a construção civil é um setor que contribui para o desenvolvimento regional, pois traz uma maior oferta de empregos formais. Implicando numa melhoria de renda para a população mais carente, por ser um setor que mais emprega no Brasil. É importante observar que neste campo, há uma boa empregabilidade dos indivíduos com pouco grau de instrução escolar[11].
É notória, portanto, a importância social e econômica do setor da construção civil para o país. O fato de ser uma atividade preponderante voltada para a diminuição do déficit habitacional e para a geração de empregos na economia são os elementos que representam sua relevância para a sociedade brasileira, não se podendo olvidar, assim, da necessidade de sua continuidade mesmo em tempos de crises pandêmicas, dada sua essencialidade econômica e social, guardadas as devidas cautelas que se deve ter com aqueles que desenvolvem a atividade essencial, tais como o devido distanciamento entre os funcionários, higienização frequente das mãos, dentre outras, a fim de evitar o contágio.
Há que se considerar, portanto, o acerto no entendimento externado pelo Decreto Estadual do Paraná, que percebendo a importância da construção civil para a sociedade, disciplinou a sua manutenção, o que invariavelmente, contribuirá para que se evite ainda mais complicações negativas decorrentes de eventual conjuntura de paralisação da atividade, culminando com problemas sociais gravíssimos ao país, principalmente, no que diz respeito ao possível avanço exponencial do déficit habitacional e do desemprego, esse último já tão fortemente abalado diante da gravidade da situação que, invariável e necessariamente, impõe a muitos e a maior parte dos setores da economia a sua completa estagnação.
Debora Cristina de Castro da Rocha[1]
Edilson Santos da Rocha[2]
[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Secretária Geral Adjunta da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental e seus impactos socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação. [2] Controller Jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Acadêmico de Direito pela Faculdades da Industria – FIEP. Pesquisador pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Curitiba – PR. e-mail: edilson.dcr.adv@gmail.com. [3] PARANÁ. Decreto Nº 4317 DE 21/03/2020. Dispõe sobre as medidas para a iniciativa privada acerca do enfrentamento da emergência de saúde pública de importância decorrente da COVID-19. Disponível em: < https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=391239 > Acesso em: 24 mar 20. [4] BRASIL. DECRETO Nº 10.292, DE 25 DE MARÇO DE 2020. Altera o Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10292.htm > Acesso em: 29 mar 2020. [5] SANTA CATARINA. DECRETO Nº 525, DE 23 DE MARÇO DE 2020. Dispõe sobre novas medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus e estabelece outras providências. Disponível em: < http://www.sc.gov.br/images/DECRETO_525.pdf > Acesso em: 29 mar 2020. [6] FERREIRA, Geniana Gazotto. et al. Política habitacional no Brasil: uma análise das coalizões de defesa do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social versus o Programa Minha Casa, Minha Vida. In: urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/urbe/v11/2175-3369-urbe-11-e20180012.pdf Acesso em: 29 mar 2020. [7] FGV DIREITO RIO. MCMV desacelerou aumento do déficit habitacional do Brasil, que bateu recorde em 2017. Disponível em: https://direitorio.fgv.br/noticia/mcmv-desacelerou-aumento-do-deficit-habitacional-do-brasil-que-bateu-recorde-em-2017 Acesso em: 29 mar 2020. [8] PARANÁ. Ministério Público do Paraná. Direito à Moradia. Disponível em: http://www.urbanismo.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=9 Acesso em: 29 mar 2020. [9] “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. [10] PARANÁ. Ministério Público do Paraná. Direito à Moradia. Disponível em: http://www.urbanismo.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=9 Acesso em: 29 mar 2020. [11] PEREIRA, William Eufrásio Nunes. Et al. Uma breve descrição da construção civil no brasil, destacando o emprego formal e os estabelecimentos no nordeste. GEPETIS – Grupo de Estudos e Pesquisas em Espaço, Trabalho, Inovação e Sustentabilidade. Departamento de Economia da UFRN, Natal RN. Disponível em: < https://seminario2015.ccsa.ufrn.br/assets/upload/papers/708ef63e2da4cb338df18bd22fbe82f4.pdf > Acesso em: 29 mar 2020.